O analista da agência de rating Moody`s que segue Angola disse hoje que a previsão de crescimento foi revista em alta para 2,7%, marcando o fim da recessão dos últimos cinco anos. “Acabámos de rever a nossa previsão para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de Angola para 2,7% este ano”, face aos 1,2% que a Moody`s previa em Setembro do ano passado, disse Aurelien Mali. Previsões para todos os gostos.
“A recuperação está sustentada no facto de o preço do petróleo ter estado a subir desde o nível mais baixo de 2020, prevendo um preço médio de 50 dólares por barril este ano, o que significa que se for cumprido e se a produção se mantiver estável nos 1,2 ou 1,3 milhões de barris por dia, tendo em conta os 39 dólares previstos no orçamento, e se for bem implementado, espacialmente nas despesas de capital, isso vai sustentar o crescimento económico”, disse o analista nas declarações à Lusa, feitas através de videoconferência a partir do Dubai, onde está sediado e onde, por coincidência, se encontra João Lourenço.
“A receita adicional que o Governo angolano vai receber tendo em conta a evolução do preço do petróleo face ao preço previsto no Orçamento pode melhorar as contas públicas, permitindo limpar dívida atrasada ou apoiar as reservas internacionais”, apontou o analista Aurelien Mali.
Em 2020, adiantou, as Reservas Internacionais Líquidas ficaram ligeiramente acima de 8 mil milhões de dólares (6,75 mil milhões de euros), “um pouco acima do acordado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), devido ao apoio de instituições financeiras internacionais, repatriação de parte do Fundo Soberano, empréstimo adicional de 750 milhões de dólares [630 milhões de euros] do FMI e, muito importante, a reestruturação da dívida de um credor chinês, que valeu 2,4 mil milhões de dólares [2 mil milhões de euros] no ano passado, e deverá beneficiar de mais 2,5 mil milhões de dólares [2,1 mil milhões de euros] este ano”.
Este ano, continuou, a situação parece ainda melhor, já que “as reservas poderão subir pela primeira vez desde há bastante tempo, principalmente com a manutenção elevada dos preços do petróleo, mas por outro lado a instabilidade macroeconómica vai manter-se porque a inflação está muito alta, com uma grande depreciação do kwanza nos últimos três anos”, alerta.
Ainda assim, o analista mostra-se optimista: “A inflação deve começar a descer no final deste ano e a estabilização da taxa cambial pode levar a uma queda muito significativa do rácio da dívida sobre o PIB”, disse Aurelien Mali.
A Moody`s desceu em Setembro o rating de Angola pela segunda vez em 2020, afundando-o ainda mais em território de não investimento, e antevê que a economia tenha caído 4,2% no ano passado.
Prevê também que o segundo maior produtor de petróleo tenha tido uma dívida pública equivalente a 119,1% do PIB no ano passado, descendo para 100% este ano e 89,6% em 2022.
Dívida pública? Fé no representante de “deus”
O Governo do MPLA (o único que Angola conhece desde 1975) previa reduzir o rácio da dívida pública para 60% do PIB até 2022, meta inicialmente inscrita nos objectivos governamentais para 2018 e referência para o endividamento público.
O objectivo consta(va) do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e publicado oficialmente no final de Junho de 2018, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.
O documento traça expressamente a meta de “diminuir o rácio Dívida/PIB de 67% em 2017 para 60% até 2022” e o objectivo de “assegurar a sustentabilidade da dívida pública, através da implementação de uma estratégia de gestão da dívida”. Em 2015, o rácio da dívida pública angolana rondou os 46% do PIB e em 2013 os 25%.
Devido à crise (bem-vinda para o MPLA continuar a solidificar o seu sistema esclavagista) financeira, económica e cambial decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo, que se arrasta desde 2014, o Governo d MPLA tem recorrido à emissão de dívida e a financiamentos externos para garantir a continuidade de projectos públicos.
No final 2016, o Governo avançou mesmo com uma alteração à Lei do Regime Jurídico de Emissão e Gestão da Dívida Pública Directa e Indirecta. O Estado/MPLA deixou de estar vinculado à obrigatoriedade legal de não ultrapassar um nível endividamento equivalente a 60% do PIB, passando esse limite a ser apenas uma referência.
Especificamente, o programa de Melhoria da Gestão das Finanças Públicas idealizado pelo Governo para a actual legislatura, até 2022, prevê intervir ao nível da “arrecadação de receitas, procurando melhorar a previsibilidade da tesouraria do Estado” e assumindo (isto é como quem diz!) o compromisso com a “afectação de recursos”, para que “decorra de forma estratégica e que a prestação de serviços seja eficiente”.
“Temos de alterar a actual trajectória da dívida, sob pena de estarmos a hipotecar as gerações futuras. Portanto, o objectivo deve ser usar a folga que for obtida pelo diferencial do preço do petróleo, comparativamente ao preço de referência definido no Orçamento Geral do Estado, para reduzir a pressão sobre a dívida”, alertava o então ministro das Finanças, Archer Mangueira, a propósito da subida da cotação internacional do barril de crude.
O Governo previa captar 6,721 biliões de kwanzas (22.800 milhões de euros) de dívida pública em 2018, totalizando 54.500 milhões de euros de endividamento até final do ano, segundo o Plano Anual de Endividamento (PAE).
De acordo com o documento, elaborado pelo Ministério das Finanças, estas necessidades, repartidas por 4,762 biliões de kwanzas (16.100 milhões de euros) a captar em dívida emitida internamente e 1,959 biliões de kwanzas (6.600 milhões de euros) em desembolsos externos, visam “colmatar as necessidades de financiamento” do OGE de 2018.
“O ‘stock’ de dívida governamental deverá permanecer com a tendência de crescimento verificada nos anos anteriores, que se fundamenta numa maior participação da dívida titulada”, refere o documento, apontando um crescimento de 18% face a 2017.
A cumprir-se, por outro lado, a previsão (mirífica e delirante) de crescimento económico de 4,9% em 2018, o rácio da dívida pública angolana deveria ascender no final do ano a 60% do PIB do país. Contudo, o Governo logo reviu em baixa a perspectiva de crescimento, para 2,2% em 2018, face ao ano anterior. Outras revisões, em baixa, foram feitas porque a realidade não se compadece com a demagógica propaganda do regime.
Contas à, e por, medida
Em Janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) piorou a previsão de crescimento para Angola, antecipando uma recuperação de 0,4%, e agravou a dívida pública para 134,2% no ano passado e para 119,9% este ano.
“A dívida pública deverá aumentar de 107% do PIB em 2019 para 134% em 2020; as projecções para 2020 reflectem principalmente a depreciação da taxa de câmbio e a queda dos preços do petróleo no seguimento do choque desencadeado pela pandemia de Covid-19”, escreveram os colaboradores do FMI no relatório que detalha a análise à quarta revisão do programa de ajustamento financeiro.
De acordo com o documento, divulgado em Washington, “a dívida pública deverá cair este ano para 120% do PIB, reflectindo o início da recuperação do crescimento e uma visão orçamental restritiva”, o que compara com os 107,5% previstos em Setembro.
O rácio da dívida pública face ao PIB “deverá continuar elevado durante o horizonte das projecções e vai demorar ligeiramente mais tempo do que o projectado anteriormente a convergir para a âncora de médio prazo” de 60%, que agora deverá ser alcançado apenas em 2028.
Ainda assim, insiste o FMI, a dívida pública “continua sustentável, ainda que sujeita a riscos muito elevados”.
Esta degradação das previsões surgiu acompanhada de uma forte redução da previsão de crescimento da economia angolana, que apesar de dever sair da recessão este ano, crescerá apenas 0,4%, o que compara com os 3,2% previstos em Setembro, na terceira revisão do programa de ajustamento económico.
“A recuperação sustentada do crescimento, alicerçada em reformas estruturais que desbloqueiam os principais entraves ao crescimento em Angola, como o fortalecimento do clima empresarial e a governação, vão complementar a consolidação orçamental que está no nosso cenário base e reduzir a dívida substancialmente em 2025”, acrescentam os peritos do FMI.
Ao longo do texto, o FMI deixa vários elogios ao cumprimento do programa e ao empenho das autoridades em seguir o ‘guião’ de políticas económicas e de reformas estruturais, mas alerta que os riscos são elevados devido à forte dependência não só do sector petrolífero, mas também dos choques externos.
“Apesar de estar a melhorar, a perspectiva de evolução económica continua altamente desafiante, devido à lenta e incerta recuperação dos choques relacionados com a covid-19”, dizem, argumentando que “sendo uma economia altamente dependente do petróleo, sofreu de fraquezas nesse sector, como a queda da produção e uma recuperação apenas parcial dos preços internacionais recentemente”.
Estes choques “levaram a um quinto ano seguido de recessão e dificuldades”, marcadas pela subida do rácio da dívida face ao PIB para “níveis muito elevados”, motivados pela depreciação recente da taxa de câmbio.
“Ainda assim, o forte desempenho orçamental e a gestão activa da dívida estão a preparar o terreno para uma recuperação económica gradual e uma redução das vulnerabilidades relacionadas com a dívida”, afirmam os técnicos que reuniram virtualmente com as autoridades angolanas no princípio de Dezembro.
O desempenho do programa, dizem, “tem sido adequado desde a terceira revisão, todas as indicativas até Setembro foram cumpridas, com excepção de duas, os activos do banco central sobre o Governo central, e o volume de dívida pública”.
Angola falhou algumas das metas e dos indicadores acordados, nomeadamente no que diz respeito ao sector financeiro e à prestação do banco central, mas apresentou argumentos considerados válidos pela equipa técnica do FMI.
Sobre os riscos de execução do programa que termina no final do ano, o Fundo considera que há “riscos significativos”, principalmente no que diz respeito ao nível de dívida pública, preços do petróleo e ao frágil ambiente económico.
No entanto, afirmam que “para lidar com estes riscos, as autoridades mantiveram o programa nos eixos, nomeadamente apresentando um Orçamento para 2021 prudente, implementando uma estratégia eficaz de gestão da dívida, permitindo que a taxa de câmbio se ajustasse aos choques, perseguindo uma política monetária sã e continuando os progressos em reformas estruturas importantes”.
Angola está sob assistência técnica e financeira do FMI desde o final de 2018, e vai receber 4,5 mil milhões de dólares até final do ano para lidar com as dificuldades e relançar a economia, para além de aconselhamento técnico na definição das políticas económicas.
Folha 8 com Lusa